Você muito provavelmente já leu ou tem alguma lembrança relacionada a fatos importantes que marcaram a história da humanidade, não é? Por exemplo, a queda do muro de Berlim em 1989 ou a dissolução da União Soviética em 1991 são familiares, não é? Ou você já deve ter ouvido falar e quem sabe nutrido uma curiosidade sobre o que se passa dentro das fronteiras da Coréia do Norte, considerada a nação mais fechada do mundo? Mas o que você acharia de ter em seu currículo a experiência de ter sido testemunha ocular de tudo isso?

Mas aqui não falamos apenas de ter acompanhado ao longo dos anos, mas de fato ter vivido esses acontecimentos, sentido na pele essas mudanças e ter acompanhado de perto todas as consequências do que falamos acima? Bom, em quase 40 anos de profissão, o diplomata brasileiro Roberto Colin, 67 anos, hoje Embaixador do Brasil na Estônia, traz consigo uma bagagem cultural riquíssima – e inspiradora – de experiências não só profissionais, mas também pessoais ao redor do mundo. E nós do TERE Tallinn tivemos a honra de conversar com ele sobre essa trajetória e sobre sua chegada a Tallinn. 

Se o seu sonho é seguir a carreira diplomática ou você está aqui por se tratar apenas de um apreciador de ótimas histórias assim como nós, as próximas linhas foram feitas especialmente para você.

Um currículo de dar inveja

Bom, antes da gente começar a contar essa incrível história, confira uma parte do currículo do Embaixador só para entender um pouco melhor do que estamos falando:

Nos final dos anos 1980, Colin serviu em Bonn, na então Alemanha Ocidental, onde teve a oportunidade de ver as consequências da queda do Muro de Berlim – cidade onde também serviu de 2007 a 2012. No início dos anos 90, de 1989 a 1994, acompanhou a desintegração da União Soviética a partir da representação brasileira em Moscou, onde serviu novamente de 1998 a 2001. Durante 4 anos, entre 2003 e 2006, foi Secretário de Estado de Articulação Internacional de Santa Catarina, na primeira gestão do Governador Luiz Henrique da Silveira. Ele também foi responsável por comandar a Embaixada do Brasil em Pyongyang, na Coreia do Norte, entre 2012 e 2016. O diplomata assumiu a Embaixada do Brasil em Tallinn em 15 de julho de 2016. Atualmente, Colin também é decano (membro mais antigo) do corpo diplomático brasileiro. 

Roberto Colin no Lago Baikal, Rússia – 1990

Como tudo começou

Roberto Colin nasceu em 29 de março de 1953, em Blumenau, Santa Catarina. Desde criança era aficionado por história e geografia, e aos 8 anos de idade ele assistiu um filme que marcou sua vida.

“Fui ao Cine Busch, na cidade de Blumenau, e estava passando um filme soviético (o que só era possível por ser no ano de 1961) e o filme, que não me recordo o título, me marcou profundamente devido ao alfabeto cirílico. Tanto que, ao sair do cinema, cheguei em casa e falei para meus pais que russo era a língua mais linda e eu precisava aprendê-la”, relembra.

Obviamente, naquela época aprender russo era algo quase que impossível, porém essa vontade o acompanhou por anos. Então, Roberto primeiro aprendeu de forma autodidata e depois se tornou um dos melhores alunos da Academia Diplomática do Itamaraty, no instituto Rio Branco, que oferecia o curso de russo entre os idiomas. Hoje, além de russo, Roberto tambem fala alemão, inglês, francês e espanhol – e claro português.

Desde que cursava a escola primária, ele sabia que gostava da área humana – exatas nunca tinha sido uma de suas especialidades. Porém, boa parte dos seus estudos se deram na época do Regime Militar no Brasil, e as profissões de exatas eram as mais valorizadas. Isso fez  com que iniciasse o curso de Engenharia Eletrônica na Escola Técnica Federal do Paraná, na cidade de Curitiba – almejando uma futura vaga no concorrido curso do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).

“Durante meu segundo ano de curso, eu percebi que aquilo não era algo que eu realmente me interessava. Naquele momento eu me sentia mais realizado fazendo os cursos de idiomas (inglês e alemão) paralelos à engenharia, do que necessariamente a área científica e de projetos. Eu adorava a engenharia como hobby, mas não era o que queria para a minha vida.”

Foi quando, em uma conversa com a orientadora educacional do curso, uma francesa chamada Marie Louise Charvet, ele expôs as incertezas em relação ao seu futuro profissional e ela deu conselho que mudaria sua vida: “eu te conheço há um tempo, e depois de tudo que você me falou, sua personalidade e seus interesses, eu acho que a carreira diplomática é a que mais irá te completar.”

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Diplomata?

Se ainda hoje a carreira diplomática não é algo tão popular, imagine em 1971 quando Colin recebeu o conselho de sua orientadora. Na época ele tinha 18 anos, e conta que por influência da sua família que assinava revistas e jornais em outros idiomas, ele tinha uma ideia de que existia um mundo enorme lá fora, mas sempre pareceu algo intangível. 

“Eu sempre gostei muito de literatura e sempre admirei Machado de Assis. Por coincidência do destino, na mesma época em que eu recebi esse conselho, estava lendo a obra Memorial de Aires, último romance escrito pelo autor e que justamente contava as histórias de um diplomata aposentado. Confesso que pela história contada no livro, aquilo não me chamou tanto a atenção, inclusive após a conversa com Marie, eu ainda estava um pouco cético, uma vez que não tinha nenhuma influência de família ou política que pudesse me ajudar a ingressar na carreira diplomática, algo que achava que era necessário.”

Marie continuou sua influência no futuro de Colin, e explicou como funcionava a carreira, ingresso e concurso para o mesmo. Deixou claro que apesar de difícil, não era impossível, mesmo sem qualquer influência política ou familiar. Disse que ele se dedicasse aos estudos e seu objetivo em se tornar um diplomata, com todas as suas características pessoais e intelectuais, ele teria um brilhante caminho a trilhar. Sábia Marie.

A parte mais complicada depois de tudo isso era que Colin ainda precisava terminar o  curso de eletrônica, já que sem ele não conseguiria ingressar na faculdade, pois funcionava como um Ensino Médio dos dias de hoje.

Foto: Marek Metslaid

Então, após encerrar o ensino médio, começou a faculdade de Relações Internacionais em Curitiba (primeira capital fora de São Paulo que oferecia a graduação). A turma que ele estudava era até então a segunda do curso, e por ser um curso muito novo, ainda não era reconhecido pelo MEC (Ministério da Educação), o que era uma das exigências para o concurso de diplomata do Itamaraty. Foi então que Colin iniciou mais uma formação, agora na Universidade Federal do Paraná no curso de Filosofia.

“Escolhi a filosofia pois sentia que precisava reforçar minhas habilidades em matérias humanas como psicologia, sociologia, história e  geografia, por exemplo. Matérias que ficaram de lado durante meus estudos de engenharia, que é voltado para a área de exatas. Levando à sério os estudos e me preparando diariamente para meu objetivo final, em 1980 eu passei no concurso do Itamaraty e me mudei para Brasília onde comecei minha carreira no corpo diplomático brasileiro.”

Roberto Colin ingressou no serviço diplomático em 1980 e em 1982 graduou-se pelo Instituto Rio Branco (Academia Diplomática Brasileira).

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A primeira missão na Alemanha e a queda do Muro de Berlim

No final dos anos 80, Colin serviu na Embaixada Brasileira de Bonn (1986-1989) como Segundo Secretário, na então Alemanha Ocidental, onde teve a oportunidade de ver as consequências da queda do Muro de Berlim (1989).

“O fato de eu ter raízes paternas alemãs e saber falar o idioma influenciaram na escolha do destino da minha primeira missão diplomática. Na época, a Alemanha era o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. Era um posto extremamente importante que ajudou e muito na projeção da minha carreira. Eu saí da Alemanha quando o Muro de Berlim caiu, e saí de lá boquiaberto. Jamais imaginei que veria algo assim com meus próprios olhos, mas mal sabia o que o futuro me reservava.”

A segunda missão em Moscou e a dissolução da União Soviética

Tendo iniciado sua carreira na época do regime militar e da Guerra Fria, Colin presenciaria mais momentos históricos, como a queda do Muro de Berlim pouco antes de deixar a Alemanha, e a dissolução da União Soviética, dois anos depois de chegar a Moscou.

Roberto Colin e sua esposa, em Moscou – 1999

A Rússia sempre foi um país que chamou a atenção do diplomata desde aquele filme que assistiu ainda criança. Quando surgiu a oportunidade de servir na capital soviética ele não pensou duas vezes. Novamente o fato de já falar o idioma foi algo que pesou na escolha, mas a minha admiração pessoal que ele tem pela cultura do lugar também foi preponderante.

“Eu estava em Moscou quando a União Soviética entrou em colapso. Eu estava no país faziam dois anos (União Soviética) e por conta de todas as mudanças que isso acarretou, fiquei por mais três (agora já Federação da Rússia). Todo esse processo foi muito interessante, pois eu já tinha estudado muito do lugar antes de ir, e ver aquilo acontecendo foi algo, no mínimo, estarrecedor. E era importante para o Brasil manter esse relacionamento naquele período, algo que se fortaleceu naquela época.”

Colin estava no país durante a Crise Constitucional Russa, e ele conta alguns detalhes do que aconteceu nas linhas abaixo e uma história curiosa de uma noite em que não conseguiu sair do prédio da embaixada. 

“Numa noite, em 1993, foi a primeira vez que vi um helicóptero sobrevoando Moscou por conta da famosa Crise Constitucional Russa contra o governo de Bóris Iéltsi. Por conta disso, eu tive que dormir na embaixada pois as ruas estavam tomadas pelo exército e grupos opositores. Era possível ver tanques de guerra nas ruas, as balas riscando o céu pela janela e um país que estava a beira de colapsar mais uma vez. Uma lembrança forte da minha primeira passagem por lá.”

Roberto Colin, em Moscou, diante do Parlamento bombardeado e incendiado, em outubro de 1993

Após o encerramento de sua missão em Moscou como Segundo Secretário, entre os anos de 1989 e 1994, Colin voltou a servir na cidade de 1998 até o ano de 2001 como Conselheiro. 

Roberto Colin ainda voltou para a Alemanha, dessa vez na capital Berlim, onde serviu como Ministro-Conselheiro entre os anos de 2007 e 2012 até embarcar para sua primeira experiência como Embaixador oficial na Coréia do Norte.

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Quatro anos vivendo no país mais fechado do mundo

Bom, se todas as doses anteriores de história já não haviam sido suficiente para uma vida inteira, Colin ainda escreveu mais uma – talvez a mais curiosa de todas – durante seu período vivendo em um ‘outro planeta’, como ele se refere sobre seu tempo em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, entre os anos de 2012 e 2016.

“Meu filho foi a primeira criança brasileira a estudar na Escola Internacional da Coreia do Norte. Durante meu período no país, tive a oportunidade de ver um pouco como o país funciona. Digo um pouco porque há grandes limitações, começando até pelo contato com a população local, que é possível, mas é muito superficial. Eu não podia, por exemplo, convidar norte-coreanos para a minha casa. Nos quatro anos que passei lá, sempre no governo de Kim-Jong-un, vi várias coisas que sinalizavam mudanças em relação ao governo do seu pai.”

Colin e seu filho Danil na Praça Kim ll Sung

Uma pergunta que não poderíamos deixar de fazer em relação a Coréia do Norte era sobre a vida do povo por lá, afinal, a imagem que recebemos é sempre de uma grande metrópole a mercê do seu líder e suas propriedades. Mas a nossa dúvida era justamente sobre a prática disso no dia a dia. 

“A Coreia do Norte é considerada por muitos um país stalinista, comunista ou coisa semelhante, mas eu acho que se assemelha muito mais a uma seita religiosa. Eu tinha a liberdade de andar sozinho na cidade, mas obviamente era vigiado. Nas viagens a outras cidades – e eu viajei muito –  tinha que ser acompanhado do intérprete da embaixada.Viajei pelo país inteiro e pude ver que, diferentemente do que se imagina de um país comunista, mais da metade da economia é privada, é uma economia de mercado. Era comum ver pelas ruas da capital o trânsito de veículos de luxo por exemplo, como Ferrari, Bentleys, Jaguar e Porsche.

Na capital, moram os privilegiados da elite governante do país com todas as facilidades de uma cidade de primeiro mundo. Já o interior vive-se no século XIX, sem energia elétrica, sem televisão, com carros de boi, uma vida realmente muito pobre com perspectivas de ascensão praticamente remotas.”

Odorico Paraguaçu e os Coreanos

O que? Você não sabe quem foi Odorico Paraguaçu, prefeito da cidade de Sucupira? Bom, então imagine os norte-coreanos! O filme O Bem-Amado, com o personagem clássico do cinema brasileiro interpretado por Marco Nanini, foi exibido por Roberto Colin aos locais durante uma sessão de cinema estrangeiro na Embaixada do Brasil em Pyongyang.

“Eu apresentei alguns filmes na nossa embaixada para alunos do Instituto de Línguas – que tem o curso de português. Um filme que eles realmente adoraram foi O bem-amado. Como esses jovens riram! Ele além do áudio clássico em português, tinham também as legendas o que era perfeito para os estudantes do idioma. Desconfio de que eles nunca tinham visto uma comédia na vida. Nos cinemas são exibidos basicamente filmes norte-coreanos que contam apenas fatos heróicos da família Kim e nada além disso.”

Alunos do curso de Português da Universidade de Línguas visitam a embaixada do Brasil, ocasião em que assistem ao “Bem Amado”

Enfim, o início como Embaixador do Brasil na Estônia

Colin assumiu a Embaixada do Brasil em Tallinn em julho de 2016, porém como disse na entrevista que fizemos recentemente, sua conexão com país vem de muitos anos atrás.

“A Estônia sempre foi um lugar que me chamou à atenção, minha conexão com o país aconteceu em duas outras ocasiões, antes mesmo de surgir a oportunidade de assumir a Embaixada. A primeira delas, ainda criança, quando eu tinha 9 anos de idade e comecei a colecionar selos de países. Minha tia me deu uma caixa de selos velhos que pertenciam a minha avó, e um me chamou muito a atenção, um selinho pequeno com os dizeres Eesti Vabariik e que eu nunca tinha ouvido falar. Foi quando meu pai explicou que se tratava da Estônia, um país que já fora independente e agora fazia parte da União Soviética.”

Na segunda oportunidade, Roberto esteve na Estônia enquanto servia pela primeira vez na cidade de Moscou, entre os anos de 1989 e 1994. Visitou a Estônia à turismo, em 1990, e se encantou pelo país que descobriu através dos seus selos. Na época, a Estônia ainda fazia parte da União Soviética.

Foto de protesto pedindo pela independência da Estônia em sua primeira visita ao país, em agosto de 1990

“Anos depois, em 2016, quando estava encerrando minha missão na cidade de Pyongyang, na Coreia do Norte, a Estônia surgiu como uma oportunidade. Eu estava buscando algum país que tivesse sido parte da União Soviética, queria entender melhor como foram os avanços após esse período, e então acabei eu mesmo sugerindo para servir na Estônia

Nesse link, você encontra a entrevista completa onde falamos apenas desse último capítulo – até agora – da história de Roberto Colin como diplomata. Conversamos sobre a evolução das relações entre Brasil e Estônia nos últimos anos e algumas outras curiosidades da profissão e da vida de Embaixador. 

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