No último dia 09 de fevereiro, em uma cerimônia oficial junto a presidente estoniana Kersti Kaljulaid, realizada nos jardins do Palácio do Gabinete Presidencial, o Embaixador José Antonio Gomes Piras, 69 anos, oficializou o início de sua missão à frente da Embaixada do Brasil em Tallinn apresentando suas cartas credenciais à chefe de estado – sendo a primeira cerimônia oficial de entrega de credenciais no país desde o início da pandemia. O Embaixador José Piras substitui o Embaixador Roberto Colin que, após cinco anos na Estônia, assumirá um novo desafio junto à Embaixada Brasileira em Cuba. 

Na última semana fomos recebidos pelo novo embaixador e conversamos um pouco sobre os projetos e objetivos dele à frente da Embaixada, entrevista que compartilhamos abaixo. Mas antes, apresentamos também um pouco da jornada do Embaixador Piras pra vocês.

Carreira diplomática

A carreira diplomática do Embaixador José Antonio Piras teve início em 1975, quando foi aprovado no Instituto Rio Branco e, no ano seguinte, iniciou os trabalhos como terceiro secretário na divisão de assuntos jurídicos no Ministério das Relações Exteriores. Desde então, sua carreira dividiu-se entre cargos no Brasil e também no exterior, onde atuou como Primeiro-Secretário e Representante Alterno na Missão do Brasil junto aos Organismos Internacionais sediados em Genebra, Primeiro-Secretário na Embaixada em Bogotá, Conselheiro na Missão do Brasil junto à União Europeia, em Bruxelas, Conselheiro na Embaixada do Brasil em Bonn e, posteriormente Berlim (com a transferência da capital na Alemanha), bem como na Embaixada em Tóquio (Japão) – onde nesta última, também assumiu o cargo de Ministro- Conselheiro entre os anos de 2007 e 2011.

O então Ministro Piras deixou Tóquio para assumir a função de Cônsul-Geral na cidade de Hamamatsu, entre 2011 e 2017, uma das cidades com a maior comunidade brasileira no Japão. De lá foi transferido a Port of Spain para assumir o cargo de Embaixador do Brasil em Trinidad e Tobago, no Caribe, em dezembro de 2017, onde foi promovido a Ministro de Primeira Classe, tendo chefiado aquela missão diplomática por três anos antes de partir para Talin para assumir a Embaixada brasileira na Estônia.

“Esta é a minha primeira vez no país. Não tinha visitado a Estônia antes, mas já a conhecia indiretamente há muito tempo. Durante minha segunda missão na Europa, mais precisamente em Bruxelas, na Delegação do Brasil junto à União Europeia, no período de 1995 a 1998, fui responsável pelo relacionamento bilateral do Brasil com países da União Europeia e prestava muita atenção na Estônia, passando a admirar seus princípios, sua história, lições de superação e seu desenvolvimento, que já àquela época prevíamos seria vertiginoso. Isso porque na época o país se preparava para entrar na União Europeia e, de longe, era o que mais avançava com relação às diretrizes e requerimentos necessários para tal pleito. Sua organização já me parecia admirável e, não à toa, é hoje é um dos países mais desenvolvidos nos campos que mais contam no mundo moderno”, conta.

A Comissão de Relações Exteriores do Senado (CRE) tem como uma de suas competências sabatinar os indicados para ocupar o cargo de Embaixador do Brasil em outros países. As perguntas direcionadas aos indicados avaliam conhecimento ou não sobre as atribuições e habilidades que o cargo exige, além de planos para a Embaixada que o canditado irá assumir. Assista aos vídeos da sabatina do Embaixador abaixo:

Leitura do currículo do Embaixador pelo Senador e ex-Presidente Collor no minuto 1:51.

Fala do Embaixador Piras a partir do minuto 44:26 até o minuto 50:37.

Tere entrevista: Embaixador José Antonio Gomes Piras

Como surgiu a oportunidade de assumir a Embaixada do Brasil em Tallinn?

Normalmente o tempo em que você fica responsável por uma Embaixada no exterior varia de 3 a 5 anos. Eu já cogitava a possibilidade de mudar de país e vir para a Europa e, por coincidência, a Estônia surgiu como uma opção a vagar na época em que iria cumprir 3 anos de posto.

Assim como explicamos na entrevista que fizemos anteriormente com o Embaixador Roberto Colin, o local de atuação de um Embaixador pode ser através de uma oferta ou também por solicitação (mediante a aprovação) de um determinado lugar. A indicação de um Embaixador passa por algumas etapas e envolve, após processo interno de definição no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, a indicação pelo Presidente da República e a aprovação pelo Senado. Leia mais aqui.

Quais os principais desafios de exercer o cargo de Embaixador na Estônia?

O primeiro e talvez principal deles, levando em consideração as experiências anteriores, como chefe de posto, subchefe ou mesmo chefe de setores de embaixada, e mais recentemente em Trinidad e Tobago, onde atuei como Embaixador, é certamente ligada à busca de complementaridades, de interesses comuns, a partir de afinidades culturais e de princípios, ou mesmo de diferenças que se completam.

No caso do Brasil, é sempre mais fácil, pelas nossas próprias características de diversidade e amplitude, tanto em termos geográficos como de composição da população e influências étnicas. Portanto, no caso Brasil e Trinidad e Tobago as similaridades e complementaridades são nítidas, inclusive pela composição de etnias semelhantes e de aspectos culturais comuns bastante visíveis, inclusive resultantes da própria vizinhança.

Já no caso de Brasil e Estônia os aspectos de convergência de princípios e valores fundamentais ocidentais são determinantes. As afinidades indiretas via cultura europeia levam ao descobrimento de complementaridades e nichos de atuação natural. Mesmo que distantes fisicamente, Brasil e Estônia possuem, por sua história, influências comuns e afinidades bastante determinantes, como, por exemplo, decorrentes de influências alemãs em partes de seus territórios, dentre outras, no desenvolvimento das respectivas histórias. As complementaridades surgem naturalmente, como agora vemos na intensificação do relacionamento entre Brasil e Estônia em áreas de TI, governança digital, defesa cibernética, entre outros aspectos.

Ademais, o fato de sermos a única embaixada de país latino-americano aqui residente é fator que amplia o reconhecimento local pelo Brasil, aumenta interesses e favorece o estreitamento das interlocuções.

Falando nisso, qual a importância de termos uma embaixada aqui, já que somos o único país da América Latina a ter esse posto?

É muito importante! Ademais do que mencionei anteriormente, através do Brasil podem igualmente canalizar novos relacionamentos com a América Latina. O fato de ser o terceiro Embaixador brasileiro residente e único representante residente de país latino-americano em toda a história amplia a natural credibilidade do Brasil.

Os quase 10 anos de eficaz e produtivo trabalho dos meus antecessores residentes e as diferentes e numerosas iniciativas de divulgação do nosso país, fizeram seguramente aumentar o interesses pelo Brasil e pelo continente latino-americano, ademais de ajudar a intensificação de frutífera cooperação bilateral com nosso país. Tal situação facilita de certa forma o trabalho da Embaixada na promoção de nossos interesses, amplia nosso reconhecimento e repercute favoravelmente nas iniciativas brasileiras junto às autoridades locais.

Foto: Marko Tuum / Office of the President of Estonia

Em 2014 a Estônia abriu uma Embaixada no Brasil, porém foi fechada em 2016. Existe algum plano do país em reabrir seu posto por lá?

Sim, estou certo disso! A reabertura no Brasil da única Embaixada estoniana na América Latina permanece como interesse estoniano, pelo que sinto das conversas informais com autoridades locais. A Embaixada estoniana no Brasil fechou por pura questão orçamentária do país (leia mais aqui), que na época estava focado em aumentar e solidificar sua presença na Europa. Creio mesmo que é apenas uma questão de tempo.


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Quais são os seus principais objetivos como Embaixador do Brasil na Estônia? Como você vê a relação entre os países atualmente?

Continuar a fomentar o bom relacionamento entre os dois países permanece como um dos principais objetivos, algo que meus antecessores realizaram com grande êxito e a que pretendo dedicar-me também, assim como continuar a divulgar nosso país e nossa cultura. Paralelamente buscar demostrar novas possibilidades, oportunidades e complementaridades de cooperação, ampliando nosso leque de atuação é outro objetivo.

Neste ano de 2021 comemoramos nosso centenário de relações diplomáticas, e é o momento apropriado para ampliarmos atuação de mútuo interesse, benéfica para ambas as partes. O relacionamento entre Brasil e Estônia também se caracteriza pela tradicional sintonia de posições em foros internacionais e pela defesa de princípios caros a ambos os países, como democracia, liberdade de expressão, entre outros. Essa sintonia tende a crescer com a atuação da Embaixada nos diversos campos. O fato de sermos a única nação latino-americana a manter embaixada residente na Estônia nos tem levado a uma produtiva cooperação em áreas de TI, governança digital, defesa cibernética, educação, entre muitos outros temas de mútuo interesse. Essa atuação nos fornece credibilidade para multiplicarmos nossos esforços nessas áreas e em muitas outras.

Devo ressaltar igualmente o interesse em efetivarmos a potencial cooperação parlamentar entre os dois países, já possibilitada pela existência de grupos parlamentares, respectivamente o Grupo Parlamentar Estônia-Brasil, criado no Parlamento estoniano, já formado e que conta com número expressive de parlamentares, e o Grupo Parlamentar Brasil-Estônia, criado no âmbito da Câmara de Deputados brasileira. Há muitos caminhos a percorrer e inúmeras ferramentas criadas e disponíveis em ambos os lados que facilitam a intensificação da cooperação. O importante é que Brasil e Estônia compartilham de pensamentos muito parecidos em tópicos importantes, destacando-se, além daqueles que citei anteriormente, também a preservação da natureza, a importância da educação e o futuro tecnológico para o qual marchamos.

Ressalto finalmente que alguns estados brasileiros como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro já enviaram a Tallinn diversas delegações oficiais e de empresários para interagir com os estonianos e todo esse conceito de sociedade digital. Se não fosse a pandemia no ano passado, muitos outros estados e delegações, inclusive federais e empresariais, teriam feito o mesmo. No momento os estados do Ceará e Pernambuco, ademais dos estados que aqui já estiveram, entre outros, já estão tentativamente agendando visitas, a depender da evolução e do controle da pandemia. Estamos bem otimistas com relação à efetivação de novas parcerias. Em síntese, o futuro imediato já me parece muito promissor.

Embaixador Jose Piras

Foto: Marko Tuum / Office of the President of Estonia

Das suas prévias experiências em outros países, tem alguma ação que você aprendeu ou ajudou a desenvolver que possa funcionar aqui?

Tanto na Alemanha como no Japão tive a oportunidade de estar à frente dos setores de Ciência e Tecnologia, Cooperação Técnica e Educação nas Embaixadas em Bonn e Berlim, e do Setor de Ciência e Tecnologia e Educação na Embaixada em Tóquio, que logrei recriar em 2007, diante do avanço tecnológico daquele país. A cooperação Brasil-Alemanha, tradicional de mais de 50 anos de sucesso, a que me dediquei por 4 anos e meio, contém alguns dos melhores programas e parcerias bilaterais de que o Brasil muito se beneficia, configurando-se um bom modelo a ser paulatinamento negociado com órgãos e instituições locais, mantidas as características locais.

Mas gostaria de ressaltar outro aspecto muito importante de minha experiência no Japão. Durante meu tempo naquele país, principalmente em Hamamatsu, criamos o Conselho de Cidadãos brasileiros e dele participei ativamente. O referido Conselho, em 7 anos que lá estive como Cônsul-Geral, transformou-se possivelmente num dos mais ativos no exterior. A iniciativa serviu de grande valia, até os dias de hoje, para o suporte da comunidade brasileira local e também como base para entender anseios e objetivos, tanto dos brasileiros quanto do país que os hospeda.

Obviamente essa comunidade por lá é muito maior e de um perfil bastante diferente daquele dos cidadãos brasileiros que vivem na Estônia. Mas uma das minhas ideias seria justamente trazer esse senso de comunidade mais forte pra cá. Aproveito o espaço para enfatizar que as portas da Embaixada do Brasil em Tallinn estão abertas sobretudo para os brasileiros e a comunidade brasileira aqui residente e que nossa equipe permanece sempre à disposição de todos.


LEIA TAMBÉMInfográfico: números da comunidade brasileira na Estônia em 2020

Mesmo após o ano de 2020 com a pandemia e todas as restrições de realocação, a comunidade brasileira na Estônia registrou um aumento de 24% com relação ao ano anterior (de 332 para 414), como você vê esses números? Era algo esperado pela Embaixada?

São números animadores! Isso demonstra que não só os brasileiros aumentaram seu interesse por este país, mas que também a Estônia olha, cada vez com mais carinho, para os nossos profissionais que aqui vêm trabalhar, seja em empresas startups, seja em negócios próprios, para estudar ou em outras atividades. Tenho percebido que os brasileiros que aqui estudam e trabalham são bastante qualificados e que graças às suas atividades têm promovido e facilitado a evolução de um relacionamento cada vez mais profundo. O Brasil só tem a lucrar com esse aprendizado. A Embaixada do Brasil em Tallinn incentivará e apoiará cada vez mais essas parcerias.

Aproveitamos para agradecer novamente a disponibilidade do Embaixador José Piras e todo o grupo de funcionários da Embaixada.

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